Cientistas dizem ter criado ratos saudáveis a partir de dois machos; entenda

Técnica em estágio inicial usa células masculinas da pele de roedores e as reprograma para que se transformem em células-tronco que viram óvulos; saiba mais

Por Redação Galileu

10/03/2023 14h18  Atualizado há 19 hora

Com células de ratos machos, cientistas disseram ter criado sete camundongos em um feito inédito. A descoberta em estágio inicial ainda não foi validada por uma revisão de pares científicos, mas oferece a esperança de que algum dia casais homoafetivos de homens possam ter seus próprios filhos biológicos.

Segundo o site Business Insideros resultados promissores do experimento foram anunciados na última quarta-feira (9) pelo pesquisador da Universidade de Osaka, Katsuhiko Hayashi, na Conferência de Edição do Genoma Humano, realizada no Francis Crick Institute, em Londres, na Inglaterra.

Hayashi disse na conferência que mudou os cromossomos em uma célula masculina de XY para XX. Ele então usou essa técnica para produzir óvulos femininos, chamados oócitos, e fertilizou-os para criar camundongos com dois pais biológicos.

No experimento, foram usadas células da pele masculina com cromossomos X eas Y reprogramadas para que se transformassem em células-tronco pluripotentes, capazes de se transformar em qualquer outro tipo de célula.

Em seguida, a equipe deletou os cromossomos Y nas células e duplicou os cromossomos X. O resultado foram óvulos com dois cromossomos X. “Este é o primeiro caso de produção de oócitos robustos de mamífero a partir de células masculinas”, disse Hayashi ao site britânico The Guardian.

Os filhotes de camundongo resultantes pareciam saudáveis, tinham uma expectativa de vida normal e tiveram filhos quando adultos. “Eles parecem bem, parecem estar crescendo normalmente, eles se tornam pais”, disse o cientista.

Hayashi se diz a favor de que a tecnologia seja usada no futuro para permitir que dois homens tenham um bebê, se isso for demonstrado seguro. A técnica também pode ser aplicada para tratar formas graves de infertilidade, incluindo mulheres com síndrome de Turner, nas quais uma cópia do cromossomo X está ausente ou parcialmente ausente — essa aplicação foi inclusive a principal motivação para a pesquisa.

Os camundongos, embora sejam muito diferentes dos humanos, não têm óvulos de grande qualidade. Conforme explica Hayashi, apenas um em cada 100 óvulos fertilizados levou a um nascimento vivo. Essa eficiência, de cerca de 1%, foi menor do que aquela alcançada com ovos normais derivados de fêmeas, onde cerca de 5% dos embriões produziram filhotes vivos.

O “truque” do experimento, de acordo com o pesquisador, foi a duplicação do cromossomo X. Ele prevê que, “puramente em termos de tecnologia”, a aplicação da descoberta seja possível em humanos daqui a 10 anos.

Em 2016, Hayashi também fez camundongos com duas mães biológicas usando a mesma técnica. Os pesquisadores agora estão tentando replicar a criação de óvulos cultivados em laboratório usando células humanas.

LINK: https://revistagalileu.globo.com/ciencia/biologia/noticia/2023/03/cientistas-dizem-ter-criado-ratos-saudaveis-a-partir-de-dois-machos-entenda.ghtml

Como mudanças climáticas estão alterando comportamento, reprodução e tamanho de animais

  • Rone Carvalho
  • Role,De São José do Rio Preto (SP) para a BBC News Brasil
  • 9 março 2023

Asas desproporcionais, aumento de tamanho, reprodução de mais fêmeas do que machos e dificuldade para reconhecer alimentos devido a modificações cognitivas estão na lista de alterações sofridas por animais devido às mudanças do clima.

Pesquisas mostram que para conseguir sobreviver ao aumento da temperatura, à poluição de rios e aos eventos climáticos extremos, como longos períodos de seca e de chuvas intensas, espécies estão alterando o seu modo de vida, sua maneira de se reproduzir e até o seu tamanho.

Na lista de animais mais atingidos pelas alterações do clima, as abelhas aparecem como um dos mais impactados. Não é à toa que cada vez mais é difícil encontrá-las em diversos pontos do mundo em que eram frequentes.

“Com o aumento das secas, o período de floração das plantas diminui. Com isso, muitas abelhas não estão conseguindo néctar e pólen, que coletam nas flores. Consequentemente estão desaparecendo”, diz Michael Hrncir, professor do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (SP).

Contudo, os impactos negativos sobre as abelhas não ocorrem apenas por falta de alimento. Pesquisas mostram que o aumento de temperatura também está provocando deformações nas asas de algumas espécies. “Em decorrência do estresse causado pelas mudanças climáticas temos comprovação que algumas abelhas nascem com uma asa maior que a outra.”

Alterações cognitivas

Diferentemente dos seres humanos, que conseguem controlar a temperatura do corpo, por serem seres endotérmicos, a temperatura das abelhas equivale à do ambiente em que estão inseridas mais a que produzem ao bater as asas. “Para se ter uma ideia, uma abelha bate, em média, 250 vezes as asas por segundo”, apontou Michael.

Assim, se uma abelha está em um ambiente a 30 graus, ao bater as asas, o seu músculo ativo faz sua temperatura corporal chegar a até 42 graus. O problema é que a elevação da temperatura além de provocar um superaquecimento também ocasiona impactos cognitivos.

Abelha pousada sobre flor amarela
Legenda da foto,O aumento da temperatura está levando a perdas cognitivas em algumas espécies de abelhas

“Estudos revelam que algumas espécies de abelhas estão perdendo a capacidade de cognição, como reconhecer uma flor ou o caminho de volta para colônia, por exemplo, por conta da elevação da temperatura”, ressaltou o pesquisador da USP.

O desaparecimento de abelhas pode provocar um efeito em cascata. Isso porque é através do seu trabalho de polinização que muitas sementes surgem e flores sobrevivem.

Sua capacidade de aumentar em cerca de 25% o rendimento das colheitas -, consequentemente, dos alimentos que comemos – corre risco à medida que mudanças drásticas no clima ocorrem.

Mais fêmeas do que machos

Quem também é impactado diretamente pelas mudanças do clima são os quelônios – tartarugas marinhas e de água doce.

Diferentemente de outros animais, elas dependem de um fator externo para que o sexo do filhote seja determinado.

É a temperatura da areia onde os ovos são colocados que vai estabelecer se nascerá uma fêmea ou um macho. Em regra, temperaturas altas (acima de 30 graus) produzem mais fêmeas; temperaturas mais baixas (abaixo de 29 graus) produzem mais machos.

Tartaruga marinha nadando no fundo do oceano
Legenda da foto,Em quelônios, como as tartarugas marinhas, o sexo dos filhotes depende da temperatura da areia onde os ovos são colocados

“Entretanto, quando temos aumento da temperatura passamos a ter uma tendência de geração apenas de filhotes do sexo feminino. Isso provoca um desequilíbrio demográfico da espécie”, afirmou Fernanda Werneck, especialista em anfíbios e répteis do Instituto Nacional de Pesquisa da Amazônia (Inpa).

Além disso, pela reprodução dos quelônios ser sexuada – macho transfere os espermatozoides para dentro do corpo da fêmea. A diminuição de indivíduos do sexo masculino provoca uma queda abrupta no número de exemplares da espécie, antes mesmo do processo de confecção dos ninhos.

Anfíbios diminuem de tamanho

Outros animais impactados pelas mudanças do clima são os anfíbios, como sapos, rãs e pererecas. Com o aumento da temperatura, espécies estão mais suscetíveis às infeções do fungo quitrídio – Batrachochytrium dendrobatidis -, responsável por declínios de diversas espécies de anuros, no passado.

O coordenador do Laboratório de Herpetologia e Comportamento Animal da Universidade Federal de Goiás (UFG), Rogério Pereira Bastos, aponta que a diminuição de locais apropriados para reprodução (corpos d’água), que estão ficando secos ou escassos, está fazendo com que algumas espécies diminuam de tamanho.

“Como o período seco tende a ficar maior, os anfíbios terão menor disponibilidade de presas para se alimentarem. Assim, eles chegarão à fase adulta com tamanho menor.”

O problema é que o tamanho dos anfíbios influencia na vocalização do macho – mecanismo utilizado para atrair as fêmeas. Assim, as mudanças climáticas também estão alterando a reprodução de algumas espécies de anfíbios.

Sapo dentro d'água
Legenda da foto,As populações de anfíbios, como sapos, também são afetadas pela elevação da temperatura

“Machos menores têm vocalizações mais agudas (frequências maiores) e machos maiores têm vocalização mais grave (frequências menores). Como a mudança climática está ocorrendo em período de tempo pequeno, será que o sistema auditivo das fêmeas ainda conseguirá reconhecer as vocalizações dos machos de suas espécies?”, questionou o pesquisador.

Um estudo sobre a perereca Boana goiana, encontrada na Floresta Nacional da Silvânia (GO), mostrou que, em quase duas décadas, características do canto da espécie diminuíram à medida que a quantidade de recursos naturais reduziu na floresta.

“Já temos modelos que preveem como será a destruição geográfica dos anfíbios daqui a 50 anos. Nesta nova distribuição, teremos unidades de conservação? O que se vê é que não teremos. Então, seria interessante criar unidades de conservação nas áreas que serão mais adequadas para os anfíbios. Assim, poderemos conservar mais espécies, criando uma rede de proteção”, defendeu Rogério.

Lagarto aumenta de tamanho

Ao mesmo tempo que existem espécies que estão diminuindo de tamanho, por conta das mudanças do clima, outras estão aumentando. É o que revela um estudo publicado no periódico científico Biological Journal of the Linnean Society, que comparou amostras do lagarto sul-americano Tropidurus torquatus, da década de 1960 com as de 2012.

Segundo a pesquisa, o aumento de aproximadamente dois graus na temperatura nas últimas décadas, fez com que essa espécie de lagarto atinja o tamanho adulto mínimo dois anos antes.

Lagarto em tronco de árvore
Legenda da foto,Estudo mostrou que o lagarto sul-americano Tropidurus torquatus está atingindo o tamanho adulto dois anos antes

“Com as técnicas usadas, soubemos que, emm 1960, lagartos se tornavam sexualmente maduros por volta dos 5 anos em locais mais urbanos, e por volta dos 6 ou 7 anos em locais de floresta. No presente, a maturidade acontece ao menos dois anos antes. Se assumimos expectativas de vida similares, uma possibilidade é que o período de reprodução tenha sido acelerado”, apontou Carlos Navas, professor do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (USP).

Para chegar à conclusão, que o aumento de temperatura pode ter influenciado no tamanho do lagarto sul-americano Tropidurus torquatus, os cientistas tomaram por base um estudo similar feito com uma espécie de geco – Homonota darwinii – da Patagônia argentina.

“Nele, encontramos que animais coletados em locais mais frios atingiam a maturidade sexual um ano mais tarde”, apontou Navas.

Mais vulneráveis

Carla Piantoni, cientista da Universidade do Havaí, em Manoa (EUA), que também participou da pesquisa, ressalta que o fato dos lagartos serem animais ectotérmicos, ou seja, sua temperatura não é regulada diretamente pelo metabolismo, como acontece nos mamíferos, os deixa ainda mais vulneráveis ao aumento da temperatura provocado pelas mudanças climáticas.

“Muitos lagartos são bons mantendo temperaturas corporais relativamente estáveis, mas sempre que as condições de temperatura do ambiente permitem. Contudo, como nem sempre é o caso, terminam sendo expostos à variação termal. Essa variação pode ter impacto no desenvolvimento deles, na primeira reprodução e no número de ovos”, apontou.

A especialista em anfíbios e répteis, Fernanda Werneck, do Instituto Nacional de Pesquisa da Amazônia (Inpa), que há anos tenta entender como a seleção natural atua sobre os animais da Amazônia, cita como exemplo o lagarto Tropidurus torquatus, popularmente conhecido como calango.

Encontrado em regiões do Cerrado e nas bordas de floresta, a espécie não tem conseguido se adaptar ao novo clima e tem desaparecido na última década.

Em contrapartida, o lagarto Cnemidophorus lemniscatus parece estar se ‘beneficiando’ das mudanças do clima e expandindo sua presença. Contudo, o que parece ser benéfico a longo prazo pode ser ruim.

“Temos que entender que quando uma espécie migra para outra região para sobreviver, em busca de alimento ou de um ambiente parecido com o que ela vivia, essa nova espécie, normalmente, compete com espécies nativas. Isso causa prejuízos a longo prazo”, explicou Werneck.

Macacos mudam comportamento

A perda de áreas de Mata Atlântica, seja para a pecuária ou agricultura também altera o comportamento dos macacos.

Em busca de sobreviver, o macaco-prego passou a tomar água de coco para evitar a desidratação. A constatação foi feita pelo pesquisador Hilton Japyassú da Universidade Federal da Bahia (UFBA), em parceria com Danilo Sabino e Esaú Marlon.

Macaco-prego com filhote nas costas
Legenda da foto,Macaco-prego passou a tomar água de coco para sobreviver

“Eles foram expulsos de áreas mais favoráveis à sua sobrevivência, e uma simulação computacional mostra que em cinquenta anos eles estarão restritos à Mata Atlântica do Sul da Bahia”, ressaltou Hilton.

Segundo o pesquisador, atualmente, ao norte da Bahia, resiste uma população que passou a utilizar o mangue regularmente, ao aprender a abrir coco e beber sua água.

“Para não se expor demais, os macacos usam do coqueiral abandonado. Além disso, constatamos que para não gastar muita energia, preferem os coqueiros mais baixos, e escolhem o coco pelo seu tamanho, dando preferência aos intermediários.”

Oceano mais quente expulsa caranguejos

No litoral do Sudeste brasileiro, outro animal sofre processo semelhante para se adaptar ao oceano quase um grau mais quente do que há quarenta anos.

Tânia Márcia Costa, bióloga e professora do Instituto de Biociências da Universidade Estadual Paulista (Unesp), conta que o caranguejo chama-maré – Leptuca cumulanta – que até 2010, historicamente, tinha como limite sul o Estado do Rio de Janeiro, passou a habitar o litoral de São Paulo, onde as temperaturas são mais frias.

“O que vem acontecendo é um processo de tropicalização, com os animais procurando regiões mais frias. O problema é que quando eles chegam em regiões a que não estavam habituados podem comprometer todo o ecossistema. Levando à redução ou extinção de espécies nativas da nova área que ele passou a habitar”, disse.

Diretamente relacionado com as mudanças climáticas, o aumento da temperatura dos oceanos é causado pela emissão de gases do efeito estufa. Em regra, o aquecimento atmosférico transmite energia térmica para as águas, que consequentemente aumentam de temperatura.

Dessa forma, como um efeito dominó, o aquecimento provocado pelo homem, culmina no aquecimento do oceano, que interfere diretamente na vida aquática.

Peixes nadando no fundo do oceano
Legenda da foto,Aumento da temperatura dos oceanos afeta diretamente a vida marinha

“Temos três efeitos das mudanças climáticas que estão impactando diretamente os animais: aumento da temperatura; acidificação de oceanos e ambientes de água doce; e os recorrentes eventos extremos, como tempestades e secas”, apontou Tânia.

Segundo a bióloga, os três efeitos interferem diretamente no organismo das espécies marinhas. Isso porque, ao aumentar a temperatura da água, a primeira resposta do animal com o metabolismo acelerado, normalmente, é elevar sua alimentação.

“Ou seja, ele vai precisar comer mais. Com isso, também vai ficar mais exposto a predação”, ressaltou a bióloga. “Sem contar que nem todos vão aguentar uma temperatura tão alta. Muitas espécies já estão no limite da temperatura”, completou.

Aquecimento pode provocar fome

As inúmeras mudanças em pouco tempo são a grande preocupação dos pesquisadores que estudam como as alterações climáticas estão impactando os animais.

No caso dos peixes, que não são capazes de regular a temperatura do corpo e são dependentes interinamente da temperatura da água para sobreviver, um aumento de 1,5 grau já é suficiente para provocar a extinção de muitos desses seres, que são vitais na dieta da população.

“Embora várias dessas espécies aquáticas tenham aprendido a se adaptar a ambientes extremos ao longo de centenas de milhares de anos, elas nunca foram submetidas a uma situação tão complicada como as que estão sendo provocadas pelo homem”, afirma Adalberto Val Luis, biólogo e pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa).

O biólogo cita o aumento da acidez da água, como um dos problemas que mais estão comprometendo a vida de peixes nos rios da Amazônia.

“Essa poluição da água não acontece apenas pelo desmatamento e pelas queimadas, mas também de como usamos o ambiente e descartamos medicamentos. Um anticoncepcional, por exemplo, descartado em um rio de maneira irregular pode impactar na reprodução de peixes e comprometer todo um ecossistema”, alertou.

Para se ter uma ideia, 90% da proteína consumida pelas 25 milhões de pessoas que vivem na Amazônia brasileira advém dos peixes. Ou seja, as mesmas ações humanas que comprometem os animais hoje, podem ser responsáveis por provocar fome no futuro.

Possíveis soluções

Fernanda Werneck, do Instituto Nacional de Pesquisa da Amazônia (Inpa), alerta que antes de uma espécie ser extinta, normalmente, ela concede sinais: muda de habitat, tenta adaptar-se a nova temperatura ou sofre mutações.

“Uma espécie não é extinta do dia para a noite, esse processo acontece em capítulos. O problema é que já estamos vendo esses processos acontecendo. Por isso, da importância de medidas como combate ao desmatamento, preservação de áreas de conservação e incentivo à pesquisa. Toda espécie é importante para o ecossistema e para a vida no planeta”, afirmou a pesquisadora.

LINK: https://www.bbc.com/portuguese/articles/c0jlkj2ydn0o

‘Temos 7 sentidos – e os 5 mais conhecidos são os menos importantes’

  • Alejandra Martins
  • Role,BBC News Mundo
  • 26 fevereiro 2023

Enquanto você lê esta reportagem, como está seu corpo? Ereto ou curvado? E seu semblante, está relaxado? Ou você está franzindo a testa?

A nossa postura e o nosso rosto enviam sinais importantes ao cérebro, e é uma informação à qual nosso cérebro responde, como explica a neurocientista espanhola Nazareth Castellanos, pesquisadora do Laboratório Nirakara-Lab e professora da Universidade Complutense de Madri, na Espanha.

“Se faço uma cara de raiva, o cérebro interpreta que essa cara é típica de raiva e, portanto, ativa os mecanismos de raiva”, diz Castellanos.

Da mesma forma, “quando o corpo está em uma postura típica de tristeza, o cérebro começa a ativar mecanismos neurais típicos da tristeza”.

Nosso cérebro interage com o resto do corpo de muito mais formas do que se pensava anteriormente.

Isso porque “não temos apenas cinco sentidos — mas, sim, sete”, afirma a cientista. E os cinco sentidos mais conhecidos — olfato, visão, audição, tato e paladar — “são os menos importantes para o cérebro”.

Nazareth Castellanos conversou com a BBC News Mundo, serviço em espanhol da BBC, sobre como a postura e as expressões faciais influenciam o cérebro, qual é o poder de um sorriso e o que podemos fazer para aprender a ouvir “os sussurros do corpo”.

BBC News Mundo – Como você começou a investigar a relação entre a postura e o cérebro?

Nazareth Castellanos – Comecei a repensar a neurociência depois de passar 20 anos pesquisando apenas o cérebro.

Parecia estranho para mim que o comportamento humano se apoiasse apenas em um órgão, que era o que está na cabeça.

Antes disso, havia começado a estudar a influência de órgãos como o intestino no cérebro. E dizia: ‘Não pode ser igual para o cérebro se meu corpo está curvado ou se meu corpo está ereto’.

Então comecei a investigar, para ver o que a literatura científica dizia. Descobri coisas que me pareceram absolutamente surpreendentes e pensei: ‘Todo mundo precisa saber disso’.

BBC – Você poderia nos explicar então por que a postura é importante e como ela influencia o cérebro?

Castellanos – O importante é entender que a neurociência já reconhece que temos sete sentidos.

Na escola, sempre nos ensinaram que temos cinco — olfato, visão, audição, tato e paladar — que são os sentidos da exterocepção, ou seja, do exterior.

E isso é muito simbólico, porque até agora a ciência se interessou mais por estudar a relação do ser humano com o exterior.

Agora, a neurociência diz há cerca de cinco anos que isso precisa ser expandido.

Não temos apenas cinco sentidos, temos sete. E acontece que os cinco sentidos da exterocepção — audição etc. — são os menos importantes. O número um, o sentido mais importante, é a interocepção.

Ilustração de cérebro
Legenda da foto,Os dois sentidos mais importantes para o cérebro são a interocepção e a propriocepção

BBC – O que significa interocepção?

Castellanos – É a informação que chega ao cérebro sobre o que acontece dentro do organismo. O que está acontecendo dentro dos órgãos.

Estamos falando do coração, da respiração, do estômago, do intestino. É o sentido número um porque, de todas as coisas que acontecem, é aquela a que o cérebro vai dar mais importância, é prioridade para o cérebro.

E o número dois em prioridade é o sentido da propriocepção, a informação que chega ao cérebro sobre como está meu corpo por fora, a postura, os gestos e as sensações que tenho por todo o corpo.

Por exemplo, as sensações na barriga quando ficamos nervosos, ou um nó na garganta, ou os olhos pesados quando estamos cansados. A propriocepção é o segundo sentido mais importante. E, na sequência, vêm os outros cinco.

BBC – O que significa dizer que a interocepção e a propriocepção são o primeiro e o segundo sentidos (em ordem de prioridade) para o cérebro?

Castellanos – Já era conhecido que o cérebro precisa saber como está todo o corpo, mas antes se pensava que era uma informação passiva, a mudança agora é que isso é um sentido. Ou seja, um sentido é aquela informação que o cérebro recebe e à qual deve responder.

Dependendo do que está acontecendo, o cérebro tem que agir de uma forma ou de outra, e essa é a grande mudança.

Mulher franzindo a testa
Legenda da foto,’Quando eu franzo a testa, estou ativando minha amígdala’

BBC – Em qual parte do cérebro percebemos nossa postura ou gestos?

Castellanos – Em nosso cérebro, existe uma área que é como uma tiara, como aquela que você usa para colocar no cabelo. Ela se chama córtex somatossensorial, e meu corpo está representado ali.

Ele foi descoberto em 1952, e o que se pensava é que as áreas que são maiores em nosso corpo possuem mais neurônios no cérebro. Portanto, o que se pensava é que o cérebro dedicava muito mais neurônios às costas, que são muito grandes, do que, por exemplo, ao meu dedo mindinho.

Mas descobriu-se que não, que o cérebro dá mais importância a algumas partes do corpo do que a outras, e que as partes a que o cérebro dá mais importância no corpo são o rosto, as mãos e a curvatura do corpo.

Então, meu dedo mindinho tem cerca de cem vezes mais neurônios dedicados a ele do que as costas inteiras, do que a perna inteira, porque as mãos são muito importantes para nós. Observe que quando falamos estamos usando nossas mãos, estamos ativando essas áreas do cérebro.

BBC – Como os gestos faciais influenciam no cérebro?

Castellanos – O cérebro atribui uma importância tremenda ao que acontece no rosto.

Aqui foram observadas coisas que são muito importantes. Por um lado, foi observado que as pessoas que franzem a testa — e isso é algo que fazemos muito com celulares que têm telas pequenas — estão ativando uma área relacionada à amígdala.

É uma parte do cérebro que está em zonas profundas e que está mais envolvida na emoção.

Quando eu franzo a testa, estou ativando minha amígdala, portanto, se surgir uma situação estressante, vou ficar mais estimulado, vou reagir mais, porque já tenho essa área preparada.

A amígdala, que é como uma amêndoa, é uma área que quando acontece uma situação de estresse, se ativa, cresce mais.

Então, é uma área que é melhor manter calma.

Mas se já estiver ativada, quando chegar uma situação estressante, ela vai hiperativar, e isso vai gerar uma hiper-reação.

Tentar relaxar essa parte, o cenho, desativa um pouco a nossa amígdala, relaxa.

BBC – Em uma palestra, você mencionou um estudo fascinante com canetas que mostra como franzir a testa ou sorrir muda a maneira como interpretamos o mundo. Você poderia nos explicar este estudo?

Castellanos – Além da musculatura ao redor dos olhos, a segunda parte mais importante do rosto para o cérebro é a boca. Não temos noção do poder que ela tem, é impressionante.

Então, o que os estudos fizeram, para analisar a hipótese da retroalimentação facial, foi pegar um grupo de pessoas e colocar uma caneta na boca delas.

Imagem do estudo que mostra contrações faciais de pessoas com caneta na boca
Legenda da foto,’Quando tinham a caneta na boca simulando um sorriso, as imagens pareciam mais simpáticas para elas’ (imagem do estudo Strack et al. 1988)

Primeiro, elas tinham que segurar (a caneta) entre os dentes — estavam simulando um sorriso, mas sem sorrir, que era o importante. E mostravam para elas uma série de imagens, e elas tinham que dizer o quão simpáticas pareciam. Quando tinham a caneta na boca simulando um sorriso, as imagens pareciam mais simpáticas para elas.

Mas quando tinham a caneta entre os lábios, simulando uma cara de raiva, as mesmas imagens não pareciam mais tão agradáveis. Este é um estudo da década de 1980, mas muitos, muitos estudos foram feitos desde então.

Foi observado, por exemplo, que quando vemos pessoas sorridentes somos mais criativos, nossa capacidade cognitiva aumenta, a resposta neural diante de um rosto sorridente é muito mais forte do que diante de um rosto que não sorri ou uma cara emburrada.

A ínsula, que é uma das áreas do cérebro mais envolvidas na identidade, é ativada quando vemos alguém sorrir ou quando nós mesmos sorrimos. Sorrir não é rir, é diferente. Então vemos o poder que um sorriso tem sobre nós, porque o cérebro, como já dissemos, dedica um grande número de neurônios ao rosto.

BBC – Como o cérebro responde quando estamos sorrindo ou franzindo a testa?

Castellanos – Como dissemos, a propriocepção — que é a informação que chega ao cérebro sobre como está meu corpo e especificamente meu rosto — é uma informação à qual o cérebro deve reagir.

Se estou triste, se fico com raiva, se estou feliz, meu rosto reflete isso, mas também vice-versa. Se estou com uma cara de raiva, o cérebro interpreta “essa cara é característica da raiva, por isso ativa mecanismos de raiva”, ou “essa cara é típica de tranquilidade e, então, ativa mecanismos de tranquilidade”.

Mulher sorrindo de boca fechada
Legenda da foto,’A resposta neural diante de um rosto sorridente é muito mais forte do que diante de um rosto que não sorri ou uma cara emburrada’

Ou seja, o cérebro sempre busca o que se chama de congruência mente-corpo.

E isso é interessante porque: o que acontece se eu estiver triste ou com raiva, estressada e começar a fazer uma cara relaxada? A princípio, o cérebro diz “isso não bate, ela está nervosa, mas está com a cara relaxada”.

E então começa a gerar algo chamado migração do estado de espírito. O cérebro diz: “tudo bem, então vou tentar combinar o estado de espírito com o rosto”.

Em outras palavras, veja que recursos nós temos.

BBC – Você também estava falando sobre outro aspecto da propriocepção, a curvatura do corpo. Hoje, com os celulares, muitas vezes ficamos curvados, como isso afeta o cérebro?

Castellanos – O cérebro — e esta é uma descoberta de três meses atrás — tem uma área que se dedica exclusivamente a ‘ler’ a postura do meu corpo.

O que se observou é que existem posturas corporais que o cérebro associa a um estado emocional. Se eu, por exemplo, mover os braços para cima e para baixo, o cérebro não tem registro de que levantar a mão é algo emocional, porque não costumamos fazer isso, certo?

No entanto, estar curvado é algo característico da tristeza, isso porque, quando estamos mal, nos curvamos. Ultimamente, todos nós adquirimos posturas curvadas, porque passamos oito horas por dia em frente ao computador, entre outras coisas.

Mulher curvada usando o celular
Legenda da foto,’Quando o corpo está em uma postura característica de tristeza, o cérebro começa a ativar os mecanismos neurais típicos da tristeza’

BBC – É a isso que se refere um famoso estudo que você menciona em suas palestras, aquele do computador?

Castellanos – Quando temos uma postura relaxada, isso afeta nossa percepção emocional do mundo e nossa memória.

É aqui que entra um famoso experimento em que um laptop foi colocado na altura dos olhos dos participantes, e uma série de palavras aparecia na sequência.

No final, o computador era fechado, e se perguntava às pessoas quantas palavras elas lembravam. (Os pesquisadores) fizeram o mesmo colocando o computador no chão, de forma que obrigasse as pessoas a se curvarem.

O que foi observado? Que quando o corpo estava na posição curvada para baixo, as pessoas se lembravam de menos palavras, ou seja, perdiam a capacidade de memória e lembravam mais de palavras negativas do que positivas.

Ou seja, assim como quando estamos tristes, quando não somos tão ágeis cognitivamente e nos concentramos mais no lado negativo, quando o corpo está em uma postura característica de tristeza, o cérebro começa a ativar os mecanismos neurais típicos da tristeza.

Mulher sentada na grama usando laptop
Legenda da foto,Em um estudo, quando o laptop estava no chão, e as pessoas estavam curvadas, ‘elas se lembravam mais de palavras negativas do que positivas’

Então, o que a ciência está nos dizendo? Bem, não é que você tenha que estar assim ou assado, mas estar mais consciente do seu próprio corpo ao longo do dia e ir corrigindo essas posturas que fomos adotado.

Eu, por exemplo, me observo muito e, de vez em quando, descubro que voltei a ficar curvada. Você corrige e, com o tempo, vai gradualmente adquirindo menos esse hábito.

Mas se você não tem essa capacidade de observar o próprio corpo, pode ficar horas assim e não se dar conta de que está assim.

BBC – Como então nos treinamos para ouvir mais o nosso corpo? Você costuma dizer que o corpo não grita, sussurra, mas não sabemos escutá-lo.

Castellanos – Acredito que a primeira coisa para saber como está nosso corpo é aprender a observá-lo. E o que os estudos nos dizem é que grande parte da população tem uma consciência corporal muito baixa.

Por exemplo, toda vez que sentimos uma emoção, a sentimos em alguma parte do corpo; as emoções sem o corpo seriam apenas uma ideia intelectual.

Há estudos em que se pergunta às pessoas: quando você está nervoso, onde localizaria em seu corpo essa sensação? Grande parte não sabe responder, porque nunca parou para observar o próprio corpo.

Então a primeira coisa é, ao longo do dia, parar para observar, como está meu corpo? E quando sentimos uma emoção, paramos por um momento e dizer: onde posso encontrá-la? Como sinto meu corpo agora? Ou seja, fazer muito mais observação corporal.

Nazareth Castellanos
Legenda da foto,Nazareth Castellanos: ‘Antonio Damasio fez muitos experimentos em que foi observado que pessoas que têm uma maior consciência corporal tomam decisões melhores ‘

BBC – E essa consciência corporal ajuda com as emoções difíceis?

Castellanos – Quando fico nervosa, por exemplo, sinto algo no estômago ou um nó na garganta. Tudo isso está sendo sentido pelo meu cérebro, ele recebe isso. Quando estou consciente dessas sensações, a informação que chega ao cérebro é mais clara e, portanto, o cérebro tem uma capacidade melhor de discernir uma emoção da outra.

Ou seja, uma coisa é esse sussurro quase inconsciente, e outra é transformá-lo em palavras.

E fazemos isso com a consciência, que também é uma aliada no gerenciamento das emoções. Porque quando estamos envolvidos em uma emoção, seja ela qual for, se pararmos naquele momento e desviarmos nossa atenção para as sensações do corpo, isso nos alivia muito.

É uma das formas de relaxar, de frear esse turbilhão em que nos metemos quando temos uma emoção. Isso se chama consciência corporal.

Já nos anos 1990, Antonio Damasio, o grande neurocientista do nosso tempo, falava dos benefícios deste marcador somático. Ele fez muitos experimentos em que foi observado que pessoas que têm uma maior consciência corporal tomam decisões melhores.

Na minha opinião, isso acontece porque não é que o corpo te diga para onde você deve ir — mas, sim, onde você está. E se estamos em uma situação complexa e há emoções envolvidas, e nem sequer eu sei onde estou ou que emoção estou tendo, é mais difícil para eu saber para onde devo ir.

As emoções são muito complexas e normalmente estão misturadas. Conseguir identificar uma emoção apenas com uma análise mental é mais difícil do que observando meu próprio corpo.

Mas é claro que para isso precisamos nos treinar, observar ao longo do dia as sensações do corpo, quando estou cansada, quando estou feliz, quando estou mais neutra, quando estou com raiva, quando estou sobrecarregada. Onde eu sinto isso? Isso nos ajuda muito a nos conhecer.

Homem de olhos fechados respirando fundo com a mão no peito
Legenda da foto,’A respiração influencia na memória, na atenção e no gerenciamento das emoções’

BBC – A postura curvada nos faz respirar pior, você poderia falar sobre a respiração e o cérebro?

Castellanos – A respiração é uma aliada que temos completamente em nossas mãos, mas não sabemos respirar.

A postura e a respiração estão intimamente relacionadas. Se você cuida da sua postura, cuida da sua respiração, então o que se observou na neuroanatomia da respiração é que a respiração influencia na memória, na atenção e no gerenciamento das emoções. Mas cuidado, isso se (a respiração) for nasal, se a inspiração for pelo nariz

Se inspiramos pela boca, e grande parte da população respira pela boca, não temos tanta capacidade de ativar o cérebro.

O cérebro precisa que marquem os ritmos para ele, e a respiração é um dos marca-passos que nosso cérebro possui para que os neurônios gerem seus ritmos, suas descargas elétricas. Se respiramos pela boca, é um marca-passo atenuado. Tem que ser a inspiração pelo nariz.

O momento em que mais temos memória é o momento em que estamos inspirando pelo nariz, nesse momento o hipocampo está ativado.

Se te disseram algo, uma palavra, no momento em que coincidiu com a inspiração, tem mais chance de ser lembrado do que se te dissessem quando você estava expelindo o ar, na expiração.

Isso nos remete a uma coisa muito interessante que é a respiração lenta. Normalmente respiramos muito rápido.

Mulher de olhos fechados com sorriso no rosto
Legenda da foto,Para escutar os sussurros do corpo, temos que nos treinar — ‘observar ao longo do dia as sensações do corpo, quando estou cansada, quando estou feliz, quando estou mais neutra, quando estou com raiva, quando estou sobrecarregada’

BBC – Qual a importância da respiração lenta?

Castellanos – Acabamos de publicar um estudo científico sobre o poder da respiração lenta como analgésico em casos de dor crônica por discopatia (deterioração dos discos entre as vértebras).

E para as emoções, o importante é que o tempo que levamos para expirar, para tirar o ar, seja maior do que o tempo que levamos para inspirar. Olha que importante, quantas coisas podemos fazer com nosso próprio corpo.

Nosso corpo é o instrumento pelo qual soa nossa vida, mas é um instrumento que não sabemos tocar.

Temos que aprender primeiro a conhecê-lo e, depois, a tocá-lo.

– Este texto foi originalmente publicado em https://www.bbc.com/portuguese/articles/cxx79170863o

Cães que vivem na zona de exclusão de Chernobyl são geneticamente distintos, mostra estudo

Quase 40 anos atrás, o pior desastre nuclear do mundo transformou a cidade ucraniana de Pripyat e sua usina vizinha, Chernobyl, em uma zona radioativa perigosa – e surpreendentemente, décadas depois, um paraíso para a vida selvagem.

04/03/2023 às 16h06

Traduzido por Julio Batista
Original de Clare Watson para o ScienceAlert

Lobos, cavalos selvagens, pássaros, bisões, alces, sapos e cães vagam entre os edifícios de concreto decadentes e as florestas circundantes do que hoje é essencialmente uma das maiores reservas naturais da Europa. Onde os humanos abandonaram, as plantas tomaram conta. Uma nova análise genética conduzida por uma equipe internacional de pesquisadores sobre os caninos da região pode fornecer uma base para aprender como a contaminação que permeia a paisagem pode ter afetado seu DNA ao longo das gerações.

Os cientistas há muito tempo se perguntam quais efeitos décadas de exposição à radiação de baixa dose podem ter tido na vida selvagem da área.

Alguns estudos apontaram declínios acentuados nas populações de pássaros e um aumento nas mutações genéticas entre certas espécies em locais com níveis de radiação mais altos. Mas outras investigações encontraram poucas evidências de tais efeitos de radiação.

Uma questão não resolvida que contribui para a confusão é se os animais estão absorvendo pequenas quantidades de radiação persistente em níveis pouco prejudiciais ou herdando diferenças observadas de gerações anteriores que experimentaram os efeitos diretos da explosão. Ou ambos.

Considerando o fato de que os animais provavelmente entraram e saíram da zona contaminada ao longo dos anos, é claramente um experimento natural confuso – mas que ainda pode ser extremamente útil para melhorar nossa compreensão dos efeitos que a radiação tem na biologia.

Ao caracterizar populações distintas de cães que vivem em Chernobyl e arredores, este último estudo genético fornece uma base melhor para comparar as mudanças nas espécies.

Alguns desses cães podem ser descendentes de animais de estimação deixados para trás pelos evacuados, mas não está claro quantas populações permanecem ou quão diversas são essas populações, e se elas diferem de outros cães selvagens em toda a Ucrânia e países adjacentes.

“Antes que os efeitos da radiação em todo o genoma dessa população possam ser isolados de outros fatores influentes, a demografia e a história da própria população precisam ser compreendidas”, escreveram o biólogo da Universidade da Carolina do Sul, EUA, Timothy Mousseau e colegas em seu paper publicado.

Grandes mamíferos, como cães e cavalos, são de particular interesse porque os efeitos em sua saúde podem nos esclarecer sobre o que pode acontecer quando os humanos eventualmente retornarem.

A radiação continua a emanar da área agora conhecida como Zona de Exclusão de Chernobyl, que se estende por cerca de 2.600 quilômetros quadrados ao redor da usina em ruínas.

Apesar da radioatividade, o número de cães selvagens tem aumentado, levando à formação da Iniciativa de Pesquisas com Cães de Chernobyl (CDRI, na sigla em inglês), que fornece cuidados veterinários para esses cães desde 2017.

Cães de Chernobyl vivendo fora da Nova Estrutura de Confinamento Seguro, que foi construída para conter a radioatividade da explosão do reator quatro. (Créditos: Clean Futures Fund+)

Estima-se que mais de 800 cães vivam em Chernobyl e arredores, muitas vezes alimentados por trabalhadores da usina que retornam para manter as instalações. Eles existem em três populações distintas, embora esta nova análise tenha revelado uma quantidade surpreendente de sobreposição genética e laços de parentesco entre eles.

Uma população vive na própria usina; a segunda ocupa a cidade de Chernobyl, uma área residencial abandonada a cerca de 15 quilômetros da usina; e a terceira mora a 45 quilômetros de distância, em Slavutych, uma cidade relativamente menos contaminada onde ainda residem alguns trabalhadores da usina.

Ao longo de dois anos, os veterinários do CDRI coletaram amostras de sangue de 302 cães vira-latas nas três populações, que a estudante de doutorado da Universidade da Carolina do Sul, Gabriella Spatola, analisou.

Spatola, Mousseau e colegas identificaram três grupos familiares principais entre os cães de Chernobyl, com o maior abrangendo todas as três áreas geográficas onde as amostras foram coletadas.

Com base em seu parentesco genético, parece que esses cães se movem entre locais, vivem próximos uns dos outros e se reproduzem livremente.

A história de reprodução entre as três populações de Chernobyl evidente em seus genomas indica “que os cães existem na região de Chernobyl por um longo período de tempo, potencialmente desde o desastre, ou até antes”, escreveram Mousseau e seus colegas.

Análises comparativas mostraram que os cães de Chernobyl também são geneticamente distintos dos cães criados livremente na Europa Oriental, Ásia e Oriente Médio.

Houve, no entanto, alguns influxos de material genético de cães modernos, como mastins, em algumas populações de Chernobyl. Isso pode ocorrer porque os residentes e seus animais de estimação começaram a voltar para a cidade de Chernobyl, suspeitaram os pesquisadores.

O que será interessante para estudos futuros é que as três populações de cães de Chernobyl foram expostas a vários níveis de radiação.

O próximo passo, disseram os pesquisadores, será projetar estudos mais amplos “visando encontrar variantes genéticas críticas que se acumularam por mais de 30 anos neste ambiente contaminado e hostil”.

Se os estudos conduzidos até agora sobre a vida selvagem de Chernobyl servirem de referência – e com base no que sabemos sobre como as exposições ambientais podem ser herdadas como registros moleculares no genoma de um organismo – os cientistas terão dificuldade em extrair descobertas claras para resolver seus debates de uma vez por todas.

A pesquisa foi publicada na Science Advances.

‘Pensar demais’ pode ampliar as taxas de substância tóxica, diz estudo

Você provavelmente já se viu nessa situação. Largado no sofá, após um longo e cansativo dia de trabalho, no qual teve de “pensar demais”. Não quer se concentrar em mais nada, namora o aplicativo de delivery ou navega sem rumo pelas redes sociais. Mas por quê? Em estudo publicado na revista científica Current Biology, pesquisadores franceses sugerem que isso está relacionado “à necessidade de reciclagem de substâncias potencialmente tóxicas acumuladas durante o exercício do controle cognitivo”. A substância em questão se trata do glutamato, principal neurotransmissor excitativo do cérebro, que desempenha papel importante em aprendizado e memória.

Conforme a pesquisa, a substância se acumula em “condições estressantes” ou “com demandas crescentes de tarefas”. “O problema com concentrações muito altas de glutamato extracelular (fora da célula) não é apenas a ruptura do equilíbrio excitação/inibição, mas também a indução de bursts (explosões) de ativação, que podem prejudicar a transmissão de informações e causar excitotoxicidade (que pode causar morte ou lesão neural) nos casos mais graves”, escrevem. Para a revista científica Science, o autor principal do estudo, Antonius Weihler, psiquiatra do GHU Paris Psychiatry and Neurosciences, falou que a ciência ainda está longe de poder dizer que “trabalhar duro mentalmente causa um.

LINK: https://www.uol.com.br/vivabem/noticias/agencia-estado/2022/08/17/pensar-demais-pode-ampliar-as-taxas-de-substancia-toxica-diz-estudo.htm

Esquizofrenia, epilepsia, depressão: há 23 anos agricultor lida com efeitos trágicos do agrotóxico

Pelos efeitos do Round Up, feito à base de glifosato, Monsanto perdeu processo em primeira instância, mas recorreu e foi absolvida

2 de abril de 2020

ESPECIAL: POR TRÁS DO ALIMENTO
Sebastião Bernardo da Silva mostra dez laudos médicos indicando que suas doenças são sequelas da exposição ao agrotóxico
Agricultor gasta metade da aposentadoria com remédios e já tomou mais de 100 mil comprimidos
Derrota na segunda instância ocorreu por prazo vencido e não avaliou efeitos na


Depois de passar cinco anos aplicando o glifosato em sua pequena lavoura de café, o agricultor Sebastião Bernardo da Silva desenvolveu um quadro de epilepsia e esquizofrenia que, segundo perícias feitas por um neurocirurgião, foi consequência à exposição ao agrotóxico. Com laudos médicos atestando que suas doenças eram sequelas da intoxicação, o pequeno agricultor obteve uma rara conquista judicial contra a gigante Monsanto em 2009. Mas sua vitória durou pouco. A empresa recorreu e ganhou em segunda e em terceira instância com argumento de que o caso estava prescrito.

Hoje, aos 68 anos de idade, Sebastião mora em Vitória, capital do Espírito Santo, longe das terras que cultivou durante quatro décadas. Aposentado e sofrendo com um delicado quadro de saúde, ele manda um recado para outros produtores que seguem aplicando o glifosato: “Não usaria de novo nem que me pagassem. Quando não mata a pessoa na hora, ele mata aos poucos”, afirma.

Tudo começou em 1992, quando ele buscava melhorar o resultado da plantação de café do seu sítio, de cerca de três alqueires de terra em Boa Esperança. Foi quando começou a usar o herbicida Round Up, produto da multinacional Bayer/Monsanto que tem como base o glifosato. De fato, o produto melhorou a produtividade da lavoura, mas aos poucos derrubou a saúde do agricultor.

Em 1997 veio o primeiro baque. “Estava um dia na roça e comecei a me sentir mal. A cabeça doía muito. Desmaiei, fiquei inconsciente e minha esposa me levou ao médico”, relembra Sebastião.

Ele passou 12 dias internado em um hospital em Vitória até receber o primeiro diagnóstico: esquizofrenia e epilepsia. Teria que deixar a fazenda e mudar-se para a capital para iniciar o tratamento. “Fiquei desesperado, toda renda da minha família vinha da roça”, conta.

O diagnóstico chegou cinco anos após ter ele contato com o herbicida da Monsanto pela primeira vez. Desde então, a saúde só piorou: depressão, pressão alta, diabetes, glaucoma, artrose e alterações no sistema nervoso estiveram entre os diagnósticos. “Foram idas e vindas ao hospital, vários médico e psiquiatras, e tudo só piorava. Os médicos disseram que era consequência do contato com agrotóxicos”, diz.

Sebastião, que é casado e tem quatro filhos, diz ter mais de 50 laudos médicos que apontam a intoxicação por Round Up.

De acordo com laudos médicos, Sebastião Bernardo da Silva desenvolveu epilepsia e esquizofrenia devido à exposição ao agrotóxico em sua lavoura
Comprovação médica
A reportagem teve acesso a dez desses laudos médicos, sendo que oito deles estão transcritos na decisão da ação no STJ. O primeiro data de julho de 1997. O médico que acompanhou o caso, o neurocirurgião Fred Tannure, identifica um quadro de “intoxicação aguda por agrotóxicos, apresentando crise convulsiva g.mal (grave) e distúrbio mental”.

Dois meses depois, outro laudo do mesmo médico atesta um “quadro de epilepsia temporal e distúrbio do comportamento que o impede (o agricultor) de exercer atividades de profissão e de negócios temporariamente”.

Em laudo de três anos depois, em 2000, Tannure escreve que os quadros de esquizofrenia e epilepsia temporal tornavam Sebastião incapaz em caráter permanente. Em 2002, mais um laudo do neurocirurgião atesta que o agricultor estava há cinco anos em tratamento neurológico e o encaminha para a psiquiatra “por apresentar invalidez permanente por acidente de trabalho, ocorrido pelo manuseio de agrotóxico do tipo Roundup, aplicado na sua lavoura para eliminação de ervas daninhas, o que lhe causou sequelas físicas e mentais”.

Outro exame, feito em 2008, ainda encontrou resíduos do agrotóxico no sangue de Sebastião, 11 anos após ele parar de utilizar o herbicida.

“Decidi guardar todos os remédios que eu tomava, já são mais de 100 mil comprimidos”, conta. Ele apresenta o saco onde guarda as embalagens, com mais de um metro de altura, como prova das consequências dos agrotóxicos em sua vida. Entre os medicamentos encontram-se o Rivotril (antidepressivo e ansiolítico), o Lodipil (hipertensão), Pamelor (antidepressivo) e o Tegretol (epilepsia e dor neuropática).

Arquivo pessoal
O agricultor Sebastião Bernardo da Silva foi contaminado pelo pesticida Round Up em sua lavoura de café
A conta das doenças
Após o primeiro diagnóstico, em 1997, Sebastião deixou a família no interior e foi morar com uma tia em Vitória. “Nunca mais voltei para a roça”, lamenta. Meses depois ele vendeu o sítio e toda família se mudou para a capital.

Apenas em 2000 Sebastião conseguiu aposentar por invalidez. Hoje, recebe um salário mínimo, mas gasta quase a metade, cerca de R$ 450, apenas com medicamentos. “Tomo remédios para diminuir as dores que sinto. Tenho insônia, então preciso de comprimidos para dormir. Além do medicamento para diabete e os problemas na cabeça”, diz.

A filha do aposentado, Suelly da Silva, acompanha de perto a luta do pai. “Desde a primeira ida ao hospital, lá em 97, o médico disse que as doenças eram consequências do agrotóxico que ele mexeu. E aí vem aparecendo problemas novos, agora os dedos do pé dele não estão movimentando mais”, conta.

Em 2005, Sebastião ajuizou ação de indenização de responsabilidade civil por dano material e moral contra a Monsanto, sob o argumento de que o manuseio do herbicida Roundup em sua lavoura foi a causa de uma série de problemas de saúde, que culminou com a concessão de aposentadoria por invalidez. “Demorei muito para me recuperar a ponto de pensar no processo”, explica ele.

A decisão saiu quatro anos depois. O juiz Abgar Torres Paraíso, da 11ª Vara Especializado em Defesa do Consumidor julgou parcialmente procedente a denúncia e condenou a Monsanto a pagar ao agricultor R$ 250 mil como indenização por danos morais, uma pensão mensal e vitalícia no mesmo valor pago pela Previdência Social, além de um valor mensal de R$ 139,49 cobrado de novembro de 1997 até a data da decisão, em 2009, totalizando cerca de R$ 23 mil.

O valor da da indenização foi baseado na multa mais alta aplicada pelo STJ até então, no valor de R$ 360 mil em um caso onde a vítima havia ficado em estado vegetativo por erro um erro médico. Com base nesse valor, o juiz estipulou o valor indenizatório para o agricultor que ficou com incapacidade total.

A empresa recorreu a decisão. Na segunda instância, além de argumentar que as provas apresentadas demonstram “de forma inequívoca a inexistência” o nexo causal entre as doenças e o agrotóxico, a defesa apelou pelo prazo de prescrição para a denúncia. De acordo com o artigo Art. 27 do Código de Defesa do Consumidor, o pedido de reparação pelos danos causados por um produto prescreve em cinco anos, sendo que a contagem passa a valer no momento em que o dano é conhecido.

A defesa de Sebastião alega que o prazo de conhecimento do dano deveria ser contado a partir de 23 de fevereiro de 2002, data em que o neurocirurgião Fred Tannure emitiu laudo definitivo acerca de sua invalidez permanente.

O Tribunal capixaba avaliou o que o prazo prescricional iniciou-se quando Sebastião passou a sofrer com os problemas de saúde. “O apelado tinha ciência inequívoca de seus problemas de saúde desde o ano de 1997, quando foi internado com suposto quadro de intoxicação aguda por agrotóxicos, apresentando crise convulsiva e distúrbio mental, como se extrai dos atestados médicos juntados aos autos, inclusive do laudo datado de 23.02.2002, circunstância que, segundo o próprio apelado, o levou a abandonar, naquele mesmo ano (1997), o trabalho rural”, diz a decisão.

Sebastião, então, recorreu e, em 2015, o relator da ação no Supremo Tribunal de Justiça (STJ), ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, votou contra o agricultor, seguindo o entendimento do Tribunal do Espírito Santo. “Os argumentos expendidos nas razões do regimental são insuficientes para autorizar a reforma da decisão agravada, de modo que esta merece ser mantida por seus próprios fundamentos”, afirmou na decisão. Os ministros Marco Buzzi, Marco Aurélio Bellizze, Moura Ribeiro, João Otávio de Noronha, Raul Araújo, Paulo de Tarso Sanseverino, Maria Isabel Gallotti e Antonio Carlos Ferreira votaram com o relator, e por unanimidade a seção decidiu por arquivar o processo.

Sebastião lamenta: “Receber a indenização me ajudaria a pagar o tratamento de remédios que estou tomando. Queria que algum advogado pudesse me ajudar”.

O glifosato, nome do ingrediente ativo do Round Up, é o agrotóxico mais usado no país. Apenas em 2018, foram vendidos 195 mil toneladas, segundo o Ibama.

Existem hoje 123 produtos formulados à base do glifosato. Eles são usados para o controle de mais de 150 plantas infestantes em variados cultivos – de soja e café até feijão, maçã e uva.

Em 2016, a empresa alemã Bayer adquiriu a americana Monsanto pelo valor de US$ 63 bilhões. Desde então, a empresa é a líder mundial no mercado de sementes, fertilizantes e agrotóxicos.

A gigante do mercado de pesticidas enfrenta uma série de ações contra o glifosato: cerca de 20 mil processos apenas nos Estados Unidos. Em agosto de 2018, foi condenada a pagar US$ 289 milhões ao jardineiro Dewayne Joshson, que enfrenta um linfoma desenvolvido por utilizar o herbicida. Em março do ano, também foi condenada a pagar R$ 80 milhões de indenização ao aposentado Edwin Hardeman, que enfrenta um linfoma não-Hodgkin, um tipo de câncer que tem origem nas células do sistema linfático, por ter mantido contato com o Round Up por 20 anos.

No Brasil, são raros oscasos em que um trabalhador que aplica o agrotóxico consegue receber os danos da empresa que o fabricou , conta a pesquisadora Ranielle Caroline de Sousa. Doutora pela Universidade de Brasília, ela fez um extenso levantamento sobre o assunto e encontrou apenas um caso como o de Sebastião, em que o trabalhador ganhou ao responsabilizar a fabricante de agrotóxicos. Mas, no único caso em que a empresa foi condenada sem opção de recorrer, a vítima era o piloto do avião que pulverizava o pesticida.

Ela explica que a maior dificuldade nesses processos é demonstrar o nexo causal. “O caso do Sebastião é importante justamente porque ele conseguiu demonstrar que as doenças e incapacidades que ele desenvolveu foram consequência da relação direta com o Round Up”, afirma.

A Agência Pública e a Repórter Brasil questionaram a Bayer/Monsanto sobre o caso e processo do agricultor Sebastião Bernardo da Silva. A empresa respondeu, por nota, que “a ação transitou em julgado e não ficou comprovado nenhum nexo causal entre o uso do glifosato e as doenças alegadas pelo demandante”.

“As soluções à base de glifosato têm sido utilizadas com segurança e sucesso no Brasil e, globalmente, há mais de 40 anos. Há um robusto número de pesquisas sobre herbicidas à base de glifosato, composto por mais de 800 estudos, e um extenso consenso científico partilhado pelos principais órgãos reguladores em todo o mundo, de que o glifosato é um produto seguro, sempre que observadas as orientações de bula”, informa o texto.

Cientistas e organizações discordam desse argumento da empresa. Em 2015, a Agência Internacional para Pesquisa sobre Câncer (Iarc) da Organização Mundial de Saúde (OMS), que em 2015 concluiu que o glifosato é “provavelmente cancerígeno” para humanos. Outro estudo, agora de 2017, do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) mostrou que o uso de glifosato provoca alterações no DNA, resultando em doenças crônicas como diabetes, doenças neurológicas, alzheimer, esclerose lateral amiotrófica (ALS) e doença de Parkinson.

“Quando o glifosato é considerado provável cancerígeno, temos uma afirmação relacionando ele a doenças crônicas, que passam também por alterações hormonais e produção de um conjunto de efeitos que podem contribuir com essa quantidade de doenças”, conta Luiz Cláudio Meirelles, pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), referindo-se às condições de Sebastião. “Infelizmente, não há programas voltados à saúde do trabalhador que acompanhem o agricultor e façam mensurações dos efeitos a longo prazo dos produtos, o que faria você ter um conjunto de provas”, explica.

Segundo Luiz Cláudio, que já atuou como gerente-geral de toxicidade da Anvisa, quando a ciência aponta que o produto é perigoso para à saúde, o regulador tem que tomar uma atitude da mesma proporção, agir preventivamente, retirando o produto do mercado. “Mas as agências reguladoras, tanto do Brasil, quando da Europa e dos Estados Unidos, são vinculadas ao setor econômico, e chegam a conclusão de que o parecer da OMS dizendo que o produto é cancerígeno não é válido”, explica.

Esta reportagem faz parte do projeto Por Trás do Alimento, uma parceria da Agência Pública e Repórter Brasil para investigar o uso de Agrotóxicos no Brasil. A cobertura completa está no site do projeto.

LINK: https://apublica.org/2020/04/esquizofrenia-epilepsia-depressao-ha-23-anos-agricultor-lida-com-efeitos-tragicos-do-agrotoxico/

Cientistas encontram clitóris em cobras fêmeas 

  • Frances Mao
  • BBC News

14 dezembro 2022

Cientistas descobriram que as cobras têm clitóris, rompendo com uma suposição de longa data de que as fêmeas desse animal não tinham um órgão sexual.

O estudo publicado por eles nesta quarta-feira (14/12) detalha as primeiras descrições anatômicas da genitália das cobras fêmeas.

Os pênis das cobras — chamados de hemipênis — são estudados há décadas. Eles estão usualmente invertidos — dentro do corpo, são bifurcados e alguns comportam espinhos ou ganchos para ancorar o macho dentro da fêmea.

cobra-da-morte
Legenda da foto,Cientistas encontraram clitóris em forma de coração na espécie cobra-da-morte

Já o órgão sexual feminino sempre permaneceu “ignorado em comparação” com o masculino, disseram os pesquisadores.

Não que ele não existisse — em vez disso, os cientistas não estavam realmente procurando por ele.

“Era uma combinação de a genitália feminina ser um tabu, cientistas não serem capazes de encontrá-la e de um entendimento errôneo sobre a anatomia genital das cobras intersexuais”, diz Megan Folwell, doutoranda na Universidade de Adelaide, na Austrália, e responsável pelo estudo.

Ilustração mostra clitóris — hemiclitore (em vermelho) ao lado das glândulas odoríferas marcadas
Legenda da foto,Ilustração mostra clitóris — hemiclitore (em vermelho) ao lado das glândulas odoríferas marcadas

Seu artigo em coautoria com outros pesquisadores foi publicado na revista científica Proceedings of the Royal Society B nesta semana e localiza o clitóris na cauda de uma cobra fêmea.

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As cobras têm dois clitóris individuais — hemiclitores — separados por tecido e escondidos na parte inferior da cauda. O órgão de parede dupla é composto de nervos, colágeno e glóbulos vermelhos consistentes com o tecido erétil, explicam os pesquisadores.

Folwell diz que começou a procurar pelo órgão sexual feminino pois “sempre teve dificuldades em aceitar” a literatura sobre essa parte da anatomia das cobras fêmeas, apregoando que ora elas não tinham clitóris ou que essa estrutura desapareceu devido à evolução.

“Sei que [o clitóris] está em muitos animais e não faz sentido que não esteja em todas as cobras”, diz ela.

“Só tinha que dar uma olhada, para ver se essa estrutura estava lá ou se apenas foi perdida (com a evolução)”, acrescenta.

Ela começou sua busca pelo órgão sexual feminino em uma cobra-da-morte (Acanthophis antarcticus) e encontrou o clitóris — uma estrutura em forma de coração — bem imediatamente, perto das glândulas odoríferas do animal, usadas para atrair parceiros sexuais.

“Havia essa estrutura dupla que era bastante proeminente na fêmea, que era bem diferente do tecido circundante — e não havia implicação das estruturas [do pênis] que vi antes.”

Folwell e seus colegas então verificaram a mesma característica em uma variedade de cobras — dissecando um total de nove espécies, incluindo a píton-tapete (Morelia spilotes variegata), a biúta (Bitis arietans ou Bitis lachesis) e a cobra-cantil (Agkistrodon bilineatus). Os hemiclitores variavam em tamanho, mas eram distintos.

Reescrevendo o sexo da cobra

A descoberta agora permite novas teorias sobre o sexo da cobra — que pode envolver estimulação e prazer das fêmeas.

Até agora, os cientistas acreditavam que as relações sexuais entre as cobras era “principalmente sobre coerção e a cobra macho forçando o acasalamento”, diz Folwell.

Isso porque as cobras machos são tipicamente bastante agressivas fisicamente durante o acasalamento, enquanto a fêmea, mais “serena”.

“Mas agora, com a descoberta do clitóris, podemos começar a olhar mais para a sedução e a estimulação como outra forma de a fêmea estar mais disposta e propensa a acasalar com o macho”, diz ela.

Também lança uma nova luz sobre as preliminares hipotéticas da cobra. As cobras machos geralmente se enrolam na cauda de suas parceiras — na qual o clitóris está localizado — e fazem pressão sobre essa parte.

“Este é um comportamento que pode indicar que eles (cobras machos) estão, na prática, estimulando a fêmea”.

Folwell diz que houve uma recepção positiva para a descoberta no mundo da ciência das cobras — “um pouco chocante por ter passado despercebida por tanto tempo, mas também surpresa porque faz sentido que ela exista”.

Ela observa que, em algumas espécies de cobras, o clitóris é frágil e particularmente pequeno — menos de um milímetro.

Também havia uma crença predominante de que as cobras fêmeas tinham uma versão menor do hemipênis masculino, como é o caso dos lagartos-monitores (Varanus). Como tal, em alguns estudos de cobras intersexuais, os cientistas rotularam erroneamente um hemipênis como hemiclitores.

Uma das outras pesquisadoras do projeto, a professora Kate Sanders, também da Universidade de Adelaide, diz que a descoberta não teria acontecido se não fosse pela “nova perspectiva” de Folwell.

“Esta descoberta mostra como a ciência precisa de diferentes pensadores com diferentes ideias para evoluir”.

LINK: https://www.bbc.com/portuguese/geral-63979435

O que os agrotóxicos têm a ver com o câncer infantojuvenil

Crianças e jovens que vivem em regiões com maior produção agrícola são mais propensos a desenvolver câncer, revela estudo. Alerta sobre riscos ligados à exposição já havia sido feito pelo Instituto Nacional do Câncer

Por Schirlei Alves, especial para o Joio e O Trigo e De Olho nos Ruralistas

O câncer infantojuvenil tem aumentado no Brasil e hoje já representa a primeira causa de morte por doença entre crianças, adolescentes e jovens entre 1 e 19 anos, correspondendo a 8% do total de óbitos nessa faixa etária. O dado é do Instituto Nacional do Câncer José Alencar Gomes da Silva (Inca), ligado ao Ministério da Saúde.

Ao menos 12 estudos publicados nos últimos seis anos no Brasil buscam avaliar o efeito da exposição aos agrotóxicos nas células, como mostramos em uma das reportagens da série Brasil Sem Veneno. Os resultados indicaram que os agentes químicos podem provocar dano ao DNA e, por consequência, levar ao desenvolvimento de câncer. Um dos estudos revelou ainda que crianças e jovens que vivem em regiões com maior produção agrícola são mais propensas a desenvolver a doença.

Além do crescimento dos casos de câncer infantil, as malformações congênitas e imunodeficiências também têm aumentado, alerta a médica pediatra e pesquisadora Silvia Brandalise. Ela é fundadora do Centro Infantil Boldrini, em Campinas (SP), referência no combate ao câncer no Brasil.

De acordo com a especialista, tanto a exposição ambiental, como a inalação de agentes químicos, o consumo de alimentos ou água contaminados, a dedetização da casa ou o uso de produtos na pele que contenham derivados de benzeno ou glifosato, por exemplo, são lesivos a toda célula viva. As substâncias, segundo Brandalise, têm capacidade de agredir o DNA do material genético, o que pode alterar a proliferação ou a multiplicação da célula. A leucemia em crianças de até dois anos, por exemplo, pode ocorrer pela exposição materna ou paterna no ambiente de trabalho.

“Outra coisa que se vê é um aumento dos danos neurológicos, inclusive de autismo, que [as pesquisas] associam tanto a metais pesados contaminantes de alimento e água, como a presença de glifosato [um dos ingredientes usados em agrotóxicos], que possa estar neste material. São doenças crônicas que se expressam na criança e que, essas que eu mencionei, aparecem numa linha discretamente ascendente através das décadas, há publicações sobre isso em vários estudos internacionais”.

É importante ressaltar que o aparecimento ou não da doença, no entanto, depende de outros fatores externos e também genéticos, incluindo a capacidade do indivíduo em reparar esses danos. Todas essas variáveis são levadas em conta nos estudos. Pesquisas publicadas em anos anteriores e estudos internacionais já fizeram associação da exposição aos agrotóxicos ao desenvolvimento de câncer por meio de estudos epidemiológicos.

POLOS DO AGRONEGÓCIO LIDERAM TAXAS DE CÂNCER INFANTOJUVENIL

Um dos estudos mais recentes, chamado “Câncer infantojuvenil: nas regiões mais produtoras e que mais usam agrotóxicos, maior é a morbidade e mortalidade no Mato Grosso”, foi publicado no ano passado, no livro Desastres Sócio-Sanitário-Ambientais do Agronegócio e Resistências Agroecológicas no Brasil, por pesquisadores do Núcleo de Estudos Ambientais e Saúde do Trabalhador e do Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal do Mato Grosso (Neast/ISC/UFMT).

Como o próprio título revela, o estudo epidemiológico, do tipo ecológico, investiga a distribuição dos casos de câncer infantojuvenil (0 a 19 anos) pelo estado de Mato Grosso e a associação com o uso de agrotóxicos no território. O estudo cruza dados públicos, como internações e mortes por câncer infantojuvenil, do Sistema de Internações Hospitalares do Datasus e do Sistema de Informação sobre Mortalidade, com informações coletadas por macrorregião de economia agropecuária (IMEA) e sobre a área plantada, extraídas da Produção Agrícola Municipal do IBGE/Sidra. Os números são de 2008 a 2017.

Mato Grosso lidera taxas de câncer infantojuvenil. (Foto: Divulgação/NIH)

Ao longo dos oito anos analisados, Mato Grosso registrou mais de 10,9 mil internações por câncer infantojuvenil, sendo que 30% são crianças de 0 a 4 anos. Além disso, 406 pessoas de 0 a 19 anos morreram por câncer, dos quais 30,7%  foram adolescentes e jovens de 15 a 19 anos. As leucemias foram os tipos de câncer mais presentes entre os pacientes internados, correspondendo a 50,2% dos casos. A leucemia linfóide (quando surge um linfócito imaturo e danificado na medula óssea) causou 37,2% das mortes.

O estudo observou correlação positiva entre o uso médio de agrotóxicos em litros e a média de mortes e internações por câncer infantojuvenil. É importante deixar claro que a análise leva em conta os 138 municípios onde há produção agrícola. Cuiabá, Rondonópolis e Várzea Grande, por serem polos industriais, comerciais e conglomerados urbanos, foram excluídos da análise.

De acordo com o especialista em saúde pública e pesquisador que participou da elaboração do estudo, Wanderlei Pignati, os resultados dessa e de outras pesquisas evidenciam o aumento de casos de câncer infantojuvenil no Brasil, principalmente a leucemia – câncer relacionado à produção de glóbulos brancos, de defesa do organismo, que se reproduzem muito rapidamente no nosso corpo. E um dos fatores para o desenvolvimento dessa doença, na avaliação dele, é o agrotóxico.

“Tem agrotóxicos que inibem a produção de hormônio e vários deles [provocam] mutação genética, que altera o DNA. E isso vai [resultar] na produção de células com malformação. Uma parte [das malformações] é rapidamente descartada pelo fígado, mas a outra vai se reproduzir muito, porque tem agrotóxicos que também baixam a imunidade. Então, somam-se vários fatores: mutação, desequilíbrio hormonal, baixa imunidade. Você tem as células cancerígenas se reproduzindo e não tem um sistema de imunidade para ir lá retirar aquela célula com malformação”, explicou Pignati.

Segundo a pesquisa da UFMT, mais de 1 trilhão de litros de agrotóxicos foram aplicados em 117 milhões de hectares de área plantada, entre 2008 e 2017, em Mato Grosso. Um fato curioso apontado na análise é que o número de casos de internação e mortes acompanha a migração das áreas destinadas às culturas agrícolas. Em 2008, quando as extensões de terras plantadas encontravam-se em maior parte nas regiões Oeste, Médio-norte e Sudeste do estado, os casos de internações e mortes também concentravam-se nessas regiões. Já em 2017, o maior uso de agrotóxicos e número de casos ocorreu na região Nordeste do estado, que até então não havia registrado casos de câncer infantojuvenil. O que ocorreu, segundo os pesquisadores, é que houve migração da atividade do agronegócio para essa região, num processo de expansão da fronteira agrícola em direção ao Tocantins.

DESAFIOS DA PESQUISA CIENTÍFICA

A sanitarista Mariana Soares, autora principal dessa pesquisa, acredita que é possível avaliar a influência do território no processo de adoecimento dos indivíduos por conta das exposições ambientais, ocupacionais e fatores genéticos e hereditários. Ainda assim, ela ressalta, esse tipo de estudo tem limitações, devido à subnotificação dos registros públicos e à impossibilidade de estabelecer uma relação direta de causa e efeito.

“O que a gente tem divulgado no âmbito do Neast/UFMT, são estudos epidemiológicos de cunho ecológico. Nesse caso, a gente encontrou a associação de que nos municípios onde têm maior produção agrícola é onde ocorreu maior aumento de casos de câncer infantojuvenil”, explicou. “O estudo de cunho ecológico, no entanto, não permite uma avaliação individual. Por isso, a gente vem avançando nas nossas pesquisas. Inclusive, a minha tese de doutorado é avaliar a exposição dos pais e a exposição individual da criança ou do adolescente e o adoecimento por câncer”, completou.

Efeitos de exposição a agrotóxicos são tema de pesquisa (Foto: Divulgação)

A médica e pesquisadora Silvia Brandalise explica que a associação do câncer com a exposição aos agrotóxicos só é possível de ser feita por meios estatísticos, como ocorreu com a pesquisa da UFMT, uma vez que não é possível colocar humanos em laboratórios para fazer testes. Além disso, vários outros fatores podem influenciar o desenvolvimento da doença, como os hábitos alimentares e o consumo de cigarro, álcool e outras drogas.

“Não existe um teste que você possa fazer para mostrar essa associação. A associação é epidemiológica, porque o indivíduo não vive sozinho exposto àquele produto, ele está exposto a uma série de outros produtos. Então, a única evidência é através de estudos epidemiológicos, nos quais você pega uma pessoa doente para dois ou quatro controles [não doentes], variados por sexo, idade e ano, na mesma região [e faz a comparação]”, completa Brandalise.

Outro estudo, desenvolvido na Costa Rica e publicado na Revista Científica National Library of Medicine, sugeriu que a exposição precoce a pesticidas dentro de casa, antes e depois da gestação, pode estar associada à leucemia infantil. Os pesquisadores costa-riquenhos também identificaram risco aumentado para as gestantes que moram perto de fazendas.

Um estudo ainda mais ousado, que começou em 2005 e está em andamento, propõe acompanhar os filhos de 1 milhão de gestantes ao longo de 18 anos para examinar as associações entre exposições ambientais e a incidência de câncer infantil. A pesquisa colaborativa, chamada International Childhood Cancer Cohort Consortium (Consórcio Internacional de Coorte de Câncer Infantil, na tradução livre), envolve equipes de pesquisa de 15 países em quatro continentes, inclusive a equipe da médica e pesquisadora Silvia Brandalise, em Campinas.

SEM DAR ENTREVISTAS, INCA SE POSICIONA CONTRA OS AGROTÓXICOS

A reportagem procurou o Instituto Nacional do Câncer para comentar a associação entre exposição aos agrotóxicos e incidência de câncer, especialmente em crianças, uma vez que o órgão já abordou essa questão em suas publicações, mas não conseguimos nenhuma entrevista. A primeira tentativa ocorreu em março e a segunda, em junho. A justificativa na primeira vez foi falta de tempo. Na segunda, a pessoa responsável nos disse que não poderia dar entrevista em decorrência do período eleitoral. Alguns documentos também foram retirados do ar por conta das eleições. A mensagem deixada no site é a seguinte: “até o encerramento das eleições, diversos materiais do Instituto, como livros, folhetos e cartilhas ficarão indisponíveis”.

De qualquer forma, a assessoria de imprensa compartilhou alguns desses documentos que ainda estão públicos, entre eles o posicionamento do Inca em relação aos agrotóxicos. Na carta de cinco páginas, publicada em 2020, o Inca demarca a sua posição contrária às práticas de uso de agrotóxicos e ressalta os riscos à saúde. O órgão critica o atual modelo de cultivo, com intensa aplicação de agrotóxicos, e a liberação de sementes transgênicas. De acordo com a carta, essa liberação teria sido responsável por colocar o país “no primeiro lugar do ranking de consumo de agrotóxicos”, já que o cultivo das sementes geneticamente modificadas permite o uso de grandes quantidades desses venenos.

A instituição menciona as intoxicações agudas, que geralmente ocorrem pela exposição ocupacional, e causam irritação da pele e dos olhos, coceira, vômitos e diarréias. E também aborda as intoxicações crônicas, que ocorrem pela presença de resíduos de agrotóxicos nos alimentos e no meio ambiente. Mesmo que as doses de agrotóxicos sejam baixas, o Inca afirma que os efeitos podem aparecer muito tempo após a exposição, o que dificulta a correlação com o agente. “Dentre os efeitos associados à exposição crônica a ingredientes ativos de agrotóxicos podem ser citados infertilidade, impotência, abortos, malformações, neurotoxicidade, desregulação hormonal, efeitos sobre o sistema imunológico e câncer”, afirma o documento.

Na carta, o Inca faz ainda um alerta sobre os resultados do Programa de Análise de Resíduos de Agrotóxicos (PARA), da Anvisa, que revelaram amostras de alimentos com resíduos de agrotóxicos em quantidades acima do permitido e com presença de substâncias não autorizadas.

Em 2019, o instituto publicou uma nota se posicionando contrária ao Projeto de Lei 6.299/2002, mais conhecido como o “Pacote do Veneno”, que propõe flexibilizar a autorização e o registro de agrotóxicos no país.

DEFESA DA AGROECOLOGIA

O Inca não só criticou o uso de agrotóxicos como defendeu a substituição do modelo de agronegócio pela produção agroecológica, prevista na Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica. Segundo a instituição, a agroecologia otimiza a integração entre capacidade produtiva e conservação da biodiversidade, além de funcionar como uma alternativa aos agrotóxicos.

O engenheiro agrônomo Leonardo Melgarejo explica que o modelo atual de produção em larga escala não é possível sem o uso de veneno. É inviável para o produtor identificar uma praga que surgiu em um cantinho de uma plantação cuja área equivale a milhares de campos de futebol. O veneno, portanto, é aplicado preventivamente sobre toda a lavoura. “Ele aplica o veneno por via das dúvidas, porque ele não pode permitir que a infestação se transforme em um dano econômico relevante”. Só que, ao aplicar o veneno, muitas vezes por pulverização aérea, ele contamina não só os alimentos, mas a água, o solo, os mananciais e até a produção orgânica do vizinho.

Retomada de políticas para produção agroecológica e camponesa é prioridade de movimentos sociais. (Foto: Reprodução)

Para implementar um sistema agroecológico, segundo Melgarejo, seria necessário estabelecer um tamanho máximo da propriedade, condicionado à capacidade de gerenciamento dos trabalhadores, o que, afirma ele, levaria a uma reforma agrária.

“O que nós consumimos de um pé de café, por exemplo, corresponde a 0,2%. Todo o resto é lixo para o agronegócio do café. Na lavoura de arroz, aquelas montanhas de palha viram lixo, é coisa para ser queimada. Para o pequeno produtor, tudo o que a natureza produz é matéria orgânica e insumo para controlar a velocidade de escorrimento da água e o teor de matéria orgânica no solo. Tem que ser reincorporado. E a agroecologia tem diversas maneiras de trabalhar isso”, completa.

A Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica, citada na carta do Inca, foi instituída em 2012, durante o governo de Dilma Rousseff, com o apoio de organizações da sociedade civil, para estimular a oferta de alimentos saudáveis e o uso sustentável dos recursos naturais. A Comissão Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (Cnapo), criada para articular essas políticas, foi extinta no governo de Jair Bolsonaro. No Painel do Orçamento Federal, é possível encontrar ao menos 14 políticas públicas relacionadas à agroecologia, produção orgânica ou agrobiodiversidade. Apenas uma delas ainda persiste. Mesmo quando em vigor, no entanto, as demais políticas encontradas no painel não contavam com orçamentos expressivos.

Procurado, o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) afirmou que instituiu por meio de portaria, em 2 de dezembro de 2021, o Grupo de Trabalho do Plano Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (Planapo) e novas instâncias de gestão para voltar a avançar no tema. “Neste momento, os documentos produzidos no GT estão em análise para posterior publicação”, informou via assessoria de imprensa. Sobre as políticas públicas, o Mapa alega que há três programas, sendo que um deles conta com quatro ações orçamentárias distintas, voltados para a Política de Agroecologia e Produção Orgânica (Pnapo). São eles: Defesa Agropecuária, Agropecuária Sustentável e Pesquisa e Inovação Agropecuária.

Imagem em destaque (Denise Matsumoto): projeto Brasil Sem Veneno mapeia impactos dos agrotóxicos em todo o país

| Schirlei Alves é repórter de O Joio e o Trigo. |

LINK: https://deolhonosruralistas.com.br/2022/09/09/o-que-os-agrotoxicos-tem-a-ver-com-o-cancer-infantojuvenil/

Infertilidade e aborto espontâneo: como a exposição a agrotóxicos pode afetar jovens agricultores

Pesquisas brasileiras mostram que a exposição aos agrotóxicos pode atingir tanto a saúde reprodutiva dos homens que atuam nas lavouras quanto das suas companheiras, que acabam sendo contaminadas pela convivência  

Schirlei Alves, especial para O Joio e O Trigo e De Olho nos Ruralistas

Rachel*, 32 anos, mora em uma região de grande produção agrícola no interior do Mato Grosso. O marido é agrônomo e tem contato direto com a lavoura. A identidade deles será preservada para evitar represálias. O casal sonha em ter filhos, mas as gestações não vinham sendo bem-sucedidas. A mulher passou por três abortos espontâneos de repetição, ou seja, interrupções gestacionais que ocorrem antes dos três meses, em um período de três anos. Até então não havia nenhuma causa aparente que justificasse a dificuldade em levar a gestação adiante. Na quarta tentativa, inundada de frustrações, a obstetra a encaminhou para a nutricionista clínica Gabrieli Comachio, que atua em outro município da região, Sorriso, conhecido como a Capital Nacional do Agronegócio.

Atenta à realidade da população local, a nutricionista solicitou exames para verificar o grau de exposição a produtos tóxicos. O teste laboratorial de colinesterase é um deles. Se o nível da enzima, que é responsável por controlar os impulsos nervosos para os músculos, estiver alterado, indica possível exposição prolongada a agrotóxicos, uma vez que as substâncias químicas podem inibir a atividade dessa enzima. De acordo com a nutricionista, como os níveis basais de colinesterase sofrem variação de uma pessoa para outra, recomenda-se o uso de um valor de referência da atividade enzimática, obtido de uma população não exposta.

Exames adicionais também são recomendados para investigar a relação com outros fatores de saúde. Comachio afirma que encontra resistência de pacientes em se submeter ao exame. Muitos, porém, se surpreendem com os resultados. A falta de orientação e consciência sobre o uso de equipamentos de proteção é uma realidade observada na sua prática clínica.

“Desde 2019, quando direcionei meus atendimentos para a área materno-infantil, tenho presenciado um número muito grande de abortos de repetição, de casais jovens com problemas de fertilidade e que precisam de um tratamento específico para melhorar os seus exames de saúde. Tenho como praxe, desde que participei do Fórum Mato Grossense de Combate aos Impactos dos Agrotóxicos na Saúde, solicitar alguns exames, principalmente o de colinesterase”, contou Comachio.

Os resultados dos exames de Rachel e do seu marido apresentaram alterações expressivas. Embora não tivesse contato direto com a aplicação dos produtos químicos na lavoura, a mulher costumava caminhar no meio da plantação e lavar as roupas contaminadas do marido. Comachio sugeriu que os dois fizessem algumas alterações nos hábitos de vida e alimentares. O homem foi orientado a usar todos os equipamentos de proteção durante o seu trabalho de campo, como luvas e máscaras. Rachel foi instruída a evitar contato com a plantação e a fazer uso dos equipamentos de segurança ao lavar as roupas contaminadas. Além disso, a nutricionista recomendou o uso de alguns suplementos alimentares, a prática de exercícios físicos e o consumo de alimentos preferencialmente orgânicos (sem uso de agrotóxicos).

Rachel já chegou ao terceiro trimestre da gestação sem nenhum problema de saúde. Os exames indicam que ela e o bebê estão saudáveis e fora de perigo. “A paciente me contou que não havia tomado todos esses cuidados nas gestações anteriores. Então, pode ter havido impacto [com os novos hábitos]. Agora que ela está prestando mais atenção no que está comendo e cuidando com essa questão de não se expor tanto, a gente acredita que essas mudanças podem ter sido de muita valia para os resultados de sucesso na quarta gestação”, avaliou a nutricionista.

TAXA DE ABORTOS NO MATO GROSSO ESTÃO ACIMA DA MÉDIA NACIONAL

Um estudo publicado no livro Desastres Sócio-Sanitário-Ambientais do Agronegócio e Resistências Agroecológicas no Brasil, produzido por pesquisadores do Núcleo de Estudos Ambientais, em Saúde e Trabalho, da Universidade Federal do Mato Grosso (Neast/UFMT), identificou, com base em dados públicos, que nas regiões com maior uso de agrotóxicos e área plantada, as taxas de internação por aborto espontâneo são maiores.

Uma das pesquisadoras, Mariana Soares, que é sanitarista e mestre em saúde coletiva, explica que esse é um estudo epidemiológico, do tipo ecológico, que analisa um grupo de indivíduos de determinadas áreas geográficas. “Pelo fato de ela [a personagem de nossa história] residir nesse local, com um dos maiores índices de exposição a agrotóxicos; e pelo fato de a literatura demonstrar que os agrotóxicos são mutagênicos e teratogênicos, o que possibilita alterar o óvulo e o espermatozóide; a exposição pode ser um fator associado ao abortamento espontâneo”, avalia a pesquisadora.

Glifosato está entre os produtos analisados nos estudos. (Foto: Mike Mozart/Flickr)

Quando Soares fala que o agrotóxico tem potencial mutagênico e teratogênico, significa que o produto químico é um agente capaz de causar dano ao DNA e provocar doenças como o câncer ou afetar o desenvolvimento pré-natal.

Segundo o estudo, baseado em dados populacionais do IBGE, internações por aborto do SUS e de produção agrícola do Instituto Mato-grossense de Economia Agropecuária (Imea), o Mato Grosso registrou 10.073 internações hospitalares por aborto, sendo 2.700 por abortos espontâneos, com média anual de 900 abortos. Quase metade das mulheres que foram internadas por sofrerem aborto espontâneo (47,5%) tinha entre 20 a 29 anos. A taxa média de aborto variou de 0,8 a 36,2 abortos/10.000 mulheres em idade fértil, com a maior taxa correspondente ao município de Nova Lacerda. A coleta das informações ocorreu entre 2016 e 2018.

Os dados mostram que houve aumento de 5,3% entre o primeiro e último ano da análise, sendo que em 2018, a taxa foi de 9,4 a cada 10 mil mulheres. Os números poderiam ser maiores se todos os casos fossem notificados ao sistema de saúde.

“Nós temos um coeficiente bastante alto [para o Mato Grosso]. Se no Brasil a taxa de abortos espontâneos é de 4 ou 5 [a cada 10 mil mulheres], no Mato Grosso é 9. E ainda há locais no estado que chegam a 36, então, estamos falando que a nossa taxa é duas vezes [maior] do que a do Brasil e, em algumas regiões, quatro vezes maior”, avaliou o médico especialista em saúde pública e pesquisador Wanderlei Pignati.

A pesquisa também apresenta o contexto em que essas mulheres estão inseridas e levanta os dados sobre o uso de agrotóxicos nas regiões de estudo. Levando em conta as 21 culturas analisadas, os pesquisadores identificaram que a média de área plantada foi de 15,1 milhões de hectares e o consumo de agrotóxicos foi de aproximadamente 220,6 milhões de litros.

Os dez municípios com os maiores coeficientes de aborto foram: Nova Lacerda, Nova Olímpia, Pontes e Lacerda, Alto Taquari, Campo Verde, Nova Santa Helena, Alta Floresta, Barra do Garças, Rondonópolis e Matupá. Apenas Alta Floresta não é considerado um município de grande produção agrícola.

Outro estudo publicado em 2016 pelo Neast/UFMT apontou que a exposição paterna a agrotóxicos, principalmente quando associada à baixa escolaridade materna, pode estar relacionada a maiores taxas de malformação fetal em Mato Grosso. A explicação para a relação com a baixa escolaridade está na falta de orientação sobre os cuidados na hora de lavar a roupa contaminada, como ocorreu com Rachel*. O estudo de caso-controle foi feito a partir de prontuários de todos os hospitais de referência públicos, privados e planos de saúde que atendem gestantes em Cuiabá. Os dados foram coletados entre março e outubro de 2011. A base de casos foi formada por crianças menores de 5 anos com malformações congênitas, e o grupo “controle” foi formado por crianças da mesma faixa etária, sem malformações.

As pesquisas levam em conta o contexto social, possíveis variáveis de interferência, como hábitos alimentares e consumo de álcool e drogas e o meio ambiente. No livro, por exemplo, os pesquisadores destacam que os resíduos dos agrotóxicos têm como destino a contaminação do ar, das águas das chuvas, dos rios, mananciais e solo. “Os alimentos de consumo imediato também são afetados, como demonstram as pesquisas anteriores realizadas no estado, onde foram detectados agrotóxicos nos exames de sangue e urina de trabalhadores e no leite materno”, destaca o artigo.

GLIFOSATO PREOCUPA PESQUISADORES

O glifosato é apontado no estudo sobre abortos espontâneos como um dos agrotóxicos mais usados nas lavouras de Mato Grosso. Não por coincidência, a substância ocupa a primeira posição no ranking dos ingredientes ativos mais vendidos no país. O levantamento consta no último boletim anual publicado pelo Ibama, de 2020, quando foram vendidas mais de 246 toneladas do produto. O boletim revela ainda que Mato Grosso foi o estado que mais comercializou agrotóxicos naquele ano. A venda foi de 133.291 toneladas. O boletim de Produção, Importação, Exportação e Vendas de Agrotóxicos no Brasil, publicado pelo Ibama, é elaborado a partir de documentos autodeclaratórios preenchidos pelas empresas importadoras, exportadoras, produtoras e formuladores dos agrotóxicos.

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Made with Flourish

A primeira resolução da Anvisa que cita o glifosato é de setembro de 2010, segundo histórico de documentos da agência, disponíveis desde 2008. Hoje, há cinco ingredientes ativos de glifosato liberados para uso como herbicidas em 67 culturas diferentes, entre elas arroz, feijão, café, banana e batata-doce. A substância já foi apontada como provavelmente cancerígena pela Agência Internacional de Pesquisa sobre o Câncer (IARC).

A Anvisa, no entanto, defende que as evidências científicas disponíveis até o momento “não indicam que o glifosato cause efeitos à saúde humana que sejam considerados proibitivos” para manter seu registro no Brasil. O processo de reavaliação da substância, segundo a Anvisa, contou com 19 pareceres técnicos do órgão, três pareceres externos e duas notas técnicas. Apesar do posicionamento, a Anvisa admitiu que “o ingrediente apresenta maior risco para os trabalhadores que atuam nas lavouras” e para pessoas “que vivem próximas a estas áreas”. Como solução para amenizar os problemas de saúde das pessoas mais expostas, a Anvisa propôs “medidas voltadas para o manejo do produto durante a sua aplicação e a sua dispersão”, o que inclui “ajustes e definições de limites de exposição dietética e ocupacional”.

O procurador do Ministério Público do Trabalho, Leomar Daroncho, que atuou entre 2012 e 2015 no Mato Grosso e colaborou com a criação do Fórum Mato Grossense de Combate aos Impactos dos Agrotóxicos, pondera que as orientações da Anvisa não são suficientes para proteger os agricultores, seus familiares e moradores das regiões onde há intensa produção agrícola.

“Dados do governo do Mato Grosso indicavam que o analfabetismo funcional no meio rural chegava a 80%. No Brasil, quando a Anvisa reavaliou o glifosato, o relatório registrou que 60% dos trabalhadores do campo não têm o ensino fundamental completo. Daí ela faz uma recomendação que alerta para os riscos aos trabalhadores que manuseiam as substâncias tóxicas e que deveria ser melhorada a capacitação e a conscientização, enquanto ela mesma admitiu que quem manuseia isso tem um nível muito baixo [de escolaridade]”, advertiu o procurador, que hoje está lotado no Distrito Federal.

Para Daroncho, outro fator que agrava a situação é a complexidade que envolve o uso de equipamentos de segurança e roupas impermeáveis, por vezes quentes e pesadas para agricultores que trabalham debaixo de temperaturas elevadas. Além disso, as exigências climáticas para aplicação dos produtos, descritas nas embalagens, também são complicadas: elas vão desde a temperatura adequada, até a velocidade do vento e a umidade do ar. “Na prática, essas orientações são improváveis de serem cumpridas, como a temperatura máxima de 28ºC para o glifosato. Existem regiões no Brasil que só terão essa temperatura durante a madrugada”, alertou ele.

Segundo o procurador, o Fórum, que também envolve o Ministério Público Estadual e o Ministério Público Federal, além de entidades da sociedade civil, foi criado para possibilitar o desenvolvimento de pesquisas e, a partir daí, obter e compartilhar informações e discutir possíveis ações de combate aos impactos danosos dos agrotóxicos, tanto para a saúde quanto para o meio ambiente.

Um dos desdobramentos, por exemplo, foi uma ação movida pelo MPF em 2014 contra o Estado de Mato Grosso e o Instituto de Defesa Agropecuária (Indea) para impedir o uso de agrotóxicos que contenham a substância benzoato de emamectina em sua composição. Na época, o MPF afirmou que a própria Anvisa não indicava o uso da substância por ser “altamente tóxica à saúde humana”.

Na ocasião, o Indea havia recebido pedidos para utilização de 63 toneladas do produto em lavouras mato-grossenses. O ingrediente foi suspenso pela Justiça. Três anos depois, porém, durante o governo de Michel Temer, a substância foi liberada e hoje é usada nas culturas de amendoim, algodão, café, ervilha, quatro tipos de feijão, grão de bico, lentilha, milho, soja e tomate.

Exposição a agrotóxicos afeta trabalhadores e suas famílias no Mato Grosso. (Foto: Reprodução)

EXPOSIÇÃO A AGROTÓXICOS PODE AFETAR QUALIDADE DO ESPERMA

Um estudo transversal realizado com homens jovens, de 18 a 23 anos, em Farroupilha, no Rio Grande do Sul, apontou que os homens rurais têm morfologia espermática mais pobre em relação aos indivíduos urbanos. O artigo foi publicado em 2017, na Revista Científica Reproductive Toxicology, cujo foco é o sistema reprodutivo. Os pesquisadores são ligados à Escola Nacional de Saúde Pública, da Fundação Oswaldo Cruz; Universidade da Serra Gaúcha; Universidade de Caxias do Sul; Universidade Estadual do Rio de Janeiro; Universidade de Granada e Rede de Centros de Pesquisa Biomédica para Epidemiologia e Saúde Pública (Ciberesp), ambas na Espanha.

As informações sobre o uso de agrotóxicos e a prática da atividade agrícola, demografia, ocupação, estilo de vida e histórico médico foram obtidas por meio de questionário e amostras de sangue e sêmen foram coletadas para as análises laboratoriais. Ao menos 99 homens da área rural e 36 da área urbana participaram da pesquisa. Os participantes foram escolhidos aleatoriamente. A coleta de informações e de material genético ocorreu entre 2012 e 2013.

“Considerando uma população de cerca de 800 homens na faixa etária de 18 a 23 anos residentes na zona rural de Farroupilha, uma prevalência de exposição intensa a agrotóxicos na população rural de 7%, um nível de confiança de 95%, e uma margem de erro de 5%, o tamanho mínimo da amostra para o estudo foi estimado em 90 homens jovens do setor rural”, diz o estudo.

Um dos pesquisadores, que hoje é professor da Universidade Federal da Bahia, Cleber Cremonese, explicou que os jovens da área rural tiveram produção média de espermatozóide até maior do que os jovens da área urbana, mas com pior mobilidade e formação. “Não adianta produzir espermatozóides se eles não são móveis e bem formados. O espermatozóide tem que sair com o flagelo dele se movimentando até chegar nas trompas e encontrar o óvulo. Essa é a função”, explicou Cremonese.

Sociedade brasileira luta contra os impactos dos agrotóxicos. (Foto: Campanha Contra os Agrotóxicos)

A conclusão foi de que os agrotóxicos possivelmente não interferem na produção de espermatozóides, mas podem interferir na parte genética, uma vez que os jovens do campo apresentaram pior qualidade do esperma. “A motilidade média foi de 56% em homens da área rural, comparado a 64% naqueles avaliados da área urbana”, detalhou o pesquisador.

Para avançar nos estudos, porém, seria necessário um grande investimento, inacessível para pesquisadores brasileiros. “Eu teria que pegar o espermatozóide e avaliar a cadeia genética. Tem outros estudos no mundo que fazem isso, que têm milhões de reais para poder fazer. A gente só conseguiu avaliar características microscópicas [concentração, motilidade e morfologia], e custou muito caro mesmo assim”, completou.

Com relação à morfologia, o professor explica que a Organização Mundial da Saúde preconiza que a cada 100 espermatozóides produzidos por um homem saudável, cerca de 4% sejam bem estruturados. O estudo constatou que a morfologia dos jovens da área rural foi de 1%, enquanto que a dos jovens da área urbana foi de 2,5%.

A pesquisa também serviu de base para a tese de doutorado de Cremonese na Escola Nacional de Saúde Pública da Fiocruz. Os resultados foram apresentados aos agricultores de Farroupilha em um evento em 2014, organizado em parceria com a Secretaria Municipal de Saúde.

*O nome da personagem, cuja identidade foi preservada, é fictício e foi escolhido em referência à bióloga e escritora Rachel Louise Carson. O seu livro Primavera Silenciosa, lançado em 1962, descreveu como os inseticidas alteravam os processos celulares das plantas, animais e seres humanos. O título é uma referência ao silêncio dos pássaros mortos pela contaminação.

Imagem em destaque (Denise Matsumoto): projeto Brasil Sem Veneno mapeia resistências contra os agrotóxicos em todo o país

| Schirlei Alves é repórter de O Joio e o Trigo. |

LINK: https://deolhonosruralistas.com.br/2022/08/31/meio-ambiente-se-reuniu-mais-de-700-vezes-com-agronegocio-e-mineracao-aponta-dossie/

Abelhas são capazes de imaginar, reconhecer rostos e ter emoções, afirma pesquisador

18 Jul 2022

O pesquisador Lars Chittka, professor de ecologia sensorial e comportamental da Universidade Queen Mary de Londres, acredita que as abelhas são capazes de imaginar, de reconhecer rostos, de ter algum nível de emoção e de aprender conceitos abstratos. Chittka pesquisa os insetos há mais de 30 anos e é autor do livro “The Mind of a Bee” (A mente de uma abelha, em tradução livre), que será lançado amanhã (19) no Reino Unido.

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Pesquisador acredita que as abelhas têm emoções, podem planejar e imaginar coisas e podem se reconhecer como entidades únicas e distintas de outras abelhas (Foto: Unsplash)

O pesquisador Lars Chittka, professor de ecologia sensorial e comportamental da Universidade Queen Mary de Londres, acredita que as abelhas são capazes de imaginar, de reconhecer rostos, de ter algum nível de emoção e de aprender conceitos abstratos. Chittka pesquisa os insetos há mais de 30 anos e é autor do livro “The Mind of a Bee” (A mente de uma abelha, em tradução livre), que será lançado amanhã (19) no Reino Unido.

“Temos evidências sugestivas de que há algum nível de consciência nas abelhas – uma senciência, que elas têm estados de emoção. Nosso trabalho e o de outros laboratórios mostraram que as abelhas são indivíduos muito inteligentes. Elas podem contar, reconhecer imagens de rostos humanos e aprender o uso de ferramentas simples e conceitos abstratos”, afirma o cientista em entrevista ao The Guardian.

Ele acredita que as abelhas têm emoções, podem planejar e imaginar coisas e podem se reconhecer como entidades únicas e distintas de outras abelhas. Chittka tira essas conclusões de experimentos em seu laboratório com abelhas operárias. “Sempre que uma abelha acerta em algo, ela recebe uma recompensa de açúcar. É assim que as treinamos, por exemplo, para reconhecer rostos humanos”.

Neste experimento, várias imagens monocromáticas de rostos humanos foram mostradas às abelhas, que descobrem que um deles está associado a uma recompensa de açúcar. “Então, damos a ela uma escolha de rostos diferentes e sem recompensas, e perguntamos: qual você escolhe agora? E, de fato, eles podem encontrar o correto”, explica o cientista.

As abelhas levam cerca de 12 a 24 sessões de treinamento para reconhecerem os rostos. 

Em outra linha de pesquisa, Chittka descobriu que as abelhas também são capazes de imaginar como as coisas pareceriam: por exemplo, elas podiam identificar visualmente uma esfera que antes só sentiram no escuro – e vice-versa. E elas podiam entender conceitos abstratos como “igual” ou “diferente”.

Abelhas tem intencionalidade

O pesquisador começou a perceber que algumas abelhas eram mais curiosas e confiantes do que outras. As abelhas, descobriu, aprendem melhor observando outras abelhas completarem uma tarefa com sucesso, então “uma vez que você treina um único indivíduo na colônia, a habilidade se espalha rapidamente para todas as abelhas”.

Mas quando Chittka treinou uma “abelha demonstradora” para realizar uma tarefa de forma não tão excelente, a abelha que observava não imitou o demonstrador e copiou a ação que tinha visto, mas melhorou espontaneamente sua técnica para resolver o problema da tarefa de forma mais eficiente.

Isso revela não apenas que uma abelha tem “intencionalidade” ou uma consciência de qual é o resultado desejável de suas ações, mas que existe “uma forma de pensamento” dentro da cabeça da abelha. “É uma modelagem interna de ‘como vou chegar ao resultado desejado?’, em vez de apenas experimentá-lo”, explica Chittka.

Estados emocionais

Em um experimento, as abelhas sofreram um ataque simulado de aranha-caranguejo quando pousaram em uma flor. Depois, toda a conduta delas mudou. “Elas ficaram, em geral, muito hesitantes em pousar em flores e inspecionaram cada uma extensivamente antes de decidir pousar nelas”, observa Chittka.

As abelhas continuaram a exibir esse comportamento ansioso dias depois de terem sido atacadas, numa espécie de transtorno de estresse pós-traumático. “Elas pareciam mais nervosos e mostraram efeitos psicológicos bizarros de rejeitar flores perfeitamente boas, sem ameaça de predação. Depois de inspecionar as flores, elas voavam para longe. Isso nos indicou um estado emocional negativo”, diz o pesquisador.

Outro pesquisador ouvido pelo The Guardian, Jonathan Birch lidera um projeto sobre senciência animal na London School of Economics, e acredita que o nível de cognição sofisticada que as abelhas exibem indica que é muito improvável que elas não sintam nenhuma emoção. 

“A senciência é sobre a capacidade de ter sentimentos”, diz.”E o que estamos vendo agora é alguma evidência de que existem esses estados emocionais nas abelhas”.

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